domingo, 23 de agosto de 2009

Agostinho da Silva - «Estou aqui para olhar»

«Estou aqui para olhar». Era desta maneira que Agostinho da Silva interrompia as aulas que leccionava e ia para uma janela contemplar o exterior.


Ha alguns anos atras, fui assistir no liceu onde andava, a uma palestra, ou melhor a uma conversa (pois porque este senhor tinha conversas nao palestras), entre um professor universitario e alguns poucos alunos interessados no que ele tinha para dizer, esse professor era George Agostinho Baptista da Silva ou melhor o Professor Agostinho da Silva (13 de Fevereiro de 1906 — 3 de Abril de 1994).
Agostinho da Silva foi um filosofo, poeta e ensaista Portugues, que esteve empenhado atraves da sua vida e obra, numa mudança da sociedade e das mentalidades e que afirmava a Liberdade como a mais importante qualidade do ser humano, e referenciado como um dos principais intelectuais portugueses do seculo XX.
De Portugal, disse que devia ser o mais livre possivel dos tropecos do Estado, animado por missionarios e peregrinos, marcando como lugares sagrados todos os elementos de universo, quer do concreto quer do pensado, e sabendo que o acesso a eles nao passa pelas armas,mas sim atraves de todos os esforcos culturais que tendam, a entender todo o alheio e a exaltar o diferente acima do igual sem perder as faculdades do que lhe e proprio.
Espirito livre, inconformista e original em todos os dominios, colocou as ideias e a vida ao servico do pleno cumprimento de todas as possibilidades humanas, inspirador da Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa (CPLP), antecipou a urgencia da etica animal, bem como da consciencia ecologica, propondo um verdadeiro dialogo inter e trans-cultural, inter e trans-religioso, entre o Norte e o Sul, o Ocidente e o Oriente, apologista do debate de ideias que, num ciclo conturbado da civilizacao, pode promover um novo Renascimento integral e planetario, como forma de superar preconceitos e antinomias que sempre resultam em desarmonia, opressao e guerra.



  • «Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura, já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.» Agostinho da Silva, in "Sete Cartas a Um Jovem Filósofo".

  • «É certamente admirável o homem que se opõe a todas as espécies de opressão, porque sente que só assim se conseguirá realizar a sua vida, só assim ela estará de acordo com o espírito do mundo; constitui-lhe suficiente imperativo para que arrisque a tranquilidade e bordeje a própria morte o pensamento de que os espíritos nasceram para ser livres e que a liberdade se confunde, na sua forma mais perfeita, com a razão e a justiça, com o bem; a existência passou a ser para ele o meio que um deus benevolente colocou ao seu dispor para conseguir, pelo que lhe toca, deixar uma centelha onde até aí apenas a treva se cerrara; é um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão.» Agostinho da Silva, in "Considerações".

  • «As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo, nenhuma propriedade. A tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos.» Agostinho da Silva, in "Textos e Ensaios Filosóficos".


  • «A primeira condição para libertar os outros é libertar-se a si próprio; quem apareça manchado de superstição ou de fanatismo ou incapaz de separar e distinguir ou dominado pelos sentimentos e impulsos, não o tomarei eu como guia do povo; antes de tudo uma clara inteligência, eternamente crítica, senhora do mundo e destruidora das esfinges; banirá do seu campo a histeria e a retórica; e substituirá a musa trágica por Platão e os geómetras. Hei-de vê-lo depois de despido de egoísmo, atente somente aos motivos gerais; o seu bem será sempre o bem alheio; terá como inferior o que se deleita na alegria pessoal e não põe sobre tudo o serviço dos outros; à sua felicidade nada falta senão a felicidade de todos; esquecido de si, batalhará, enquanto lhe restar um alento, para destruir a ignorância e a miséria que impedem os seus irmãos de percorrer a ampla estrada em que ele marcha.
    Nenhuma vontade de domínio; mandar é do mundo das aparências, tornar melhor de um sólido universo de verdades; se tiver algum poder somente o veja como um indício de que estão ainda muito baixos os homens que lho dão; incite-o o sentir-se superior a mais nobre e rude esforço para que se esbatam e percam as diferenças; não aproveite para mostrar a sua força a fraqueza dos outros; o bom lutador deseja que o combatam mais rijos lutadores. Será grato aos contrários, mesmo aos que veem armados da calúnia e da injúria; compassivo da inferioridade que demonstram fará tudo que puder para que melhorem e se elevem; responderá à mentira com a verdade e ao ódio com o bem; tenazmente se recusará a entrar nos caminhos tortuosos; se o conseguirem abater, tocará com humildade a terra a que o lançaram, descobrirá sempre que do seu lado esteve o erro e de novo terá forças para a luta; e se o aplaudirem pense logo que houve um erro também.» Agostinho da Silva, in "Considerações e Outros Textos".

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